segunda-feira, 19 de abril de 2010

Discoteca do Sétima Aula

Na casa em que cresci, sempre ouvi música popular brasileira. Meu pai, como bom sanfoneiro, não poderia deixar de ter como ídolo Luiz Gonzaga, o rei do baião, seu pupilo Dominguinhos e Sivuca. Isso significa que todos os LPs desses sujeitos que ele encontrasse à venda no Carrefour, durante as cansativas compras de mês que fazíamos no domingo posterior ao pagamento do seu salário, ele traria para casa e preencheria o espaço entre a vitrola e a divisória da estante. Espaço que, com o passar do tempo, ficou pequeno para a sua coleção de discos.

Nessa época, eu, com treze anos, não conseguia suportar por muito tempo essas músicas que meu pai ouvia por horas a fio. E, nos fins de semana, quando não as estava ouvindo, estava tocando seu acordeom. Eu gostava de rock, começava a arriscar as primeiras notas em um violão que troquei por um Dynavision e, como todo garoto daquela idade, pretendia tocar Stairway to Heaven e Wish You Were Here – ainda hoje vocês começam a estudar violão imaginando tocar essas mesmas músicas?

No colégio, muitos de meus amigos tocavam instrumentos musicais, de gaita à cítara. E um deles, de quem eu era mais próximo, por estudarmos na mesma sala, tocava guitarra muito bem e, por ter uma ótima condição financeira, tinha uma coleção de CDs que ocupava uma estante inteira do seu quarto. Como seu pai vivia viajando a trabalho para os EUA, sua coleção não parava de crescer. E era lá que ouvíamos bandas como Jane’s Addiction, Infectious Groove, Biohazard, Pantera, Dream Theater e Slayer. Até que um dia, depois de estudarmos para uma prova de matemática, meu amigo me mostrou um cd que havia pegado da coleção de seu irmão: Gilberto Gil Unplugged (MTV), o acústico do Gil. Olhei o cd com desconfiança – aquela resistência que os adolescentes costumam demonstrar às coisas que não pertencem ao seu universo. Depois, meu amigo tocou algumas das músicas em seu violão, enfatizando a genialidade musical desse compositor. Ainda não havia me convencido de que aquilo era bom, e tinha estranhado o fato de ter gostado do que ouvi – naquela época eu pensava que alguém da minha idade não poderia ouvir algo que não fosse rock. Pedi para ele fazer uma cópia numa fita K7, claro, e fui embora ouvindo o Gil.

Dias depois, lá estava o mesmo Gilberto Gil nas aulas de História e Literatura. Ele, seus parceiros e amigos tornaram-se os protagonistas de aulas que tinham como tema a luta contra o regime militar e a censura. E foi assim que eu percebi o quanto teria perdido se não tivesse voltado para casa, naquele dia, ouvindo a fita do Gil.

Eu havia, definitivamente, rompido o preconceito musical. Passei a ouvir o que meu pai tinha em casa. Peguei gosto pela música popular e instrumental brasileira. E tive a certeza que não seria só um roqueiro, ou melhor, um fã de rock, quando eu e meus amigos passamos a viajar para a praia ouvindo Jimmy Hendrix, mas tocado pelos baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso (coloquei a música no fim do post – aposto que vocês vão gostar). Era impressionante como as duas coisas (o rock e a MPB) podiam conviver em harmonia. Foi aí que entendi o que era o Tropicalismo e a proposta musical de Chico Science, Lenine e toda essa turma.

Por isso, resolvi postar aqui no blog, no mínimo a cada quinze dias, uma indicação de música brasileira, preferencialmente instrumental ou que não esteja no grande circuito, para dividir com vocês o prazer que senti quando ampliei meu gosto musical. Pretendo postar um músico para cada letra do alfabeto. É mais ou menos como uma discoteca do sétima aula de A a Z. Claro que algumas letras vão ter uma infinidade de ótimos músicos e compositores, alguns que conheço e outros que nunca ouvi, mas vou tentar colocar aquele que acho mais interessante, para que funcione como um bate-papo entre um amigo que está compartilhando aquilo que gosta com o outro. O que vocês acham?

Enquanto eu penso no primeiro, na letra A, vamos ouvir Wait until tomorrow, do Hendrix, tocada e cantada por Caetano e Gil?

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